Revista Consultor Jurídico, 27 de julho de 2019, 10h13
É preocupante constatar a criação, por portaria ministerial, de um
conceito jurídico indeterminado chamado "pessoa perigosa", que remete às
piores lembranças autoritárias do Direito Migratório brasileiro,
afirmou em nota a Defensoria Pública da União, ao comentar a Portaria
666, publicada pelo Ministério da Justiça nesta sexta-feira (26/7).
A nova norma autoriza a deportação sumária de pessoas "perigosas para
a segurança do Brasil" ou que tenham "praticado ato contrário aos
princípios e objetivos dispostos na Constituição Federal".
Segundo a nota da DPU, assinada pelos defensores públicos federais João Freitas de Castro Chaves, Gustavo Zortéa da Silva e Ana Luisa Zago de Moraes,
apenas um olhar superficial sobre a portaria é capaz de revelar uma
ameaça ao devido processo legal migratório proposto pela Lei de
Migração.
"O problema que se detecta é o conteúdo extremamente
nocivo da portaria sob comento, que viola os padrões mínimos de devido
processo legal segundo a legislação brasileira e os parâmetros
internacionais de direitos humanos, e traz um grave retrocesso frente ao
trabalho construído pelo Estado brasileiro, ao longo de anos, para a
consolidação dos direitos de não-nacionais em seu território", diz.
A
DPU afirma ser extremamente grave ampliar a já questionável e temerária
alusão legal a imigrantes que "tenham praticado ato" para impedir
o ingresso e, principalmente, permitir a deportação sumária de "pessoa
perigosa".
"A menção a 'pessoas perigosas suspeitas' fere não
apenas o devido processo legal, como especialmente o princípio da
presunção de inocência ou da não culpabilidade previsto no art. 5º, LVII
da Constituição, ao permitir uma medida gravosa de restrição de
direitos com base em um reconhecimento vago de periculosidade sem
qualquer amparo judicial."
Segundo a DPU, a Lei de Migração,
apesar de genérica quanto à natureza dos atos, é taxativa ao tratar de
atos praticados, ou seja, fatos concretos e demonstrados.
"Isso,
por si só, desautoriza qualquer norma infralegal, seja decreto
presidencial ou portaria ministerial, institua a suspeita de prática
como elemento justificador de rechaço indevido de solicitantes de
refúgio, inadmissão pura e simples de visitantes e imigrantes em postos
de fronteira e, o que é ainda mais absurdo, a deportação de pessoas já
residentes no Brasil", diz.
Ainda de acordo com a nota, a
portaria inova ao falar em deportação sumária, que não existe no
ordenamento brasileiro, e permitirá que qualquer imigrante seja
deportado a qualquer momento sob alegações genéricas de periculosidade,
por meio de um processo administrativo materialmente inexistente, sem a
adequada possibilidade de defesa e produção de prova e sem qualquer
vinculação com a regularidade, ou não, de sua situação migratória no
país.
"A criação por portaria ministerial de uma 'deportação
sumária' sequer poderia ser considerada um processo administrativo, por
violar as noções mínimas de devido processo legal e garantias. Com o
devido respeito ao necessário papel normatizador do ministro da Justiça,
não há como esquecer que a deportação, por previsão legal expressa, é
um efeito de procedimento administrativo que tem como objeto a pessoa
'que se encontre em situação migratória irregular em território
nacional'."
Em outras palavras, segundo os defensores, "só cabe
deportar migrantes irregulares, que não tenham autorização de residência
ou que estejam fora do prazo de estada reconhecido em visto de visita".
Avaliação decisória
A nota afirma ainda que os procedimentos de ingresso, repatriação, deportação sumária e redução ou cancelamento do prazo de estada serão instaurados e decididos pelo chefe da respectiva unidade da Polícia Federal, o que seria dotado de parcialidade, conforme a DPU.
A nota afirma ainda que os procedimentos de ingresso, repatriação, deportação sumária e redução ou cancelamento do prazo de estada serão instaurados e decididos pelo chefe da respectiva unidade da Polícia Federal, o que seria dotado de parcialidade, conforme a DPU.
"De
acordo com a portaria, o delegado de Polícia Federal vai processar as
medidas, decidir e executar. Essa concentração das etapas que norteiam
qualquer processo retira a imparcialidade do ato decisório, afrontando
os princípios do contraditório e da ampla defesa", diz.
Prisão ilegal
Segundo a DPU, a portaria inova também ao criar uma medida compulsória de saída sem previsão legal em mais uma tentativa de regulamentar a prisão cautelar para deportação, situação não autorizada por lei.
Segundo a DPU, a portaria inova também ao criar uma medida compulsória de saída sem previsão legal em mais uma tentativa de regulamentar a prisão cautelar para deportação, situação não autorizada por lei.
"A
Lei nº 13.445 veda expressamente a privação de liberdade por questões
migratórias. O artigo 123 diz que ninguém será privado de sua liberdade
por razões migratórias, exceto nos casos previstos nesta Lei."
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