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sexta-feira, 1 de dezembro de 2017

A flagrante ilegalidade na incorporação dos autos do inquérito no processo penal.

Esse, de fato, é um tema pouco abordado e que merece uma maior atenção, tanto por parte da doutrina, quanto por parte daqueles que militam na área penal, uma vez que a incorporação dos autos do inquérito nos autos do processo traz prejuízos imensuráveis no que tange a imparcialidade do julgador.
Sendo assim, antes de adentramos no cerne da questão, se faz necessário introduzir algumas noções. Primeiramente, é importante distinguirmos elementos informativos do conceito de prova propriamente dito.
Elementos informativos ou elementos de informação são todos os elementos colhidos em sede preliminar- mas notadamente no inquérito policial-, e que são utilizados para o convencimento do Ministério Público, para que o mesmo possa oferecer a denúncia.
Em outras palavras, elementos informativos são todos os elementos colhidos na fase pré- processual, no escopo de demonstrar que há indícios de autoria e materialidade, para a propositura da ação penal por parte do parquet.
Por sua vez, prova, em seu sentido técnico, é tudo aquilo que é colhido em juízo, e que serve para o convencimento do magistrado acerca da ocorrência ou não da hipótese suscitada.
Em outras palavras, prova é toda atividade exercida em juízo, mediante contraditório e ampla defesa, no escopo de convencer o julgador acerca da ocorrência ou não do fato criminoso.
Nota-se que existem dois fatores determinantes na distinção entre elemento informativo e prova, que é a análise da existência ou não do contraditório e da ampla defesa, e a análise acerca do destinatário das informações colhidas. Explico.
Os elementos informativos, como são colhidos em fase preliminar, são colhidos a partir de um reduzido contraditório e uma reduzida ampla defesa, pode-se até se dizer, ante a realidade prática e forense, que inexiste contraditório e ampla defesa na colheita dos elementos de informação.
As provas, por sua vez, são colhidas sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, diante do julgador, diferindo, portanto, dos elementos de informação.
Ademais, os elementos de informação, diferentemente das provas, são produzidas e tem como destinatário final o Ministério Público (nos casos da ação penal de natureza pública, obviamente), já a prova produzida em juízo, por sua vez, tem o julgador; o magistrado como destinatário final.
Partindo-se do que foi dito, analisaremos a influência que a incorporação dos autos de inquérito nos autos do processo, exerce, ainda que indiretamente no inconsciente do julgador, no que tange a tomada de decisões no curso do processo.
Art. 155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.
Apesar das criticas ao mencionado dispositivo legal, já é pacífico na jurisprudência que o juiz pode fundamentar a sentença condenatória com base nos elementos colhidos na fase de investigação, desde que se baseia também nas provas produzidas em juízo.
Em outros dizeres, o magistrado, pode se valer dos elementos colhidos em sede de inquérito para fundamentar a sentença, contudo é vedada a utilização apenas desses elementos para a fundamentação da sentença, sendo portanto, imprescindível, que o julgador utilize as provas produzidas em juízo, pois só assim a decisão será válida.
Lopes Jr (2016) critica a possibilidade de utilização dos elementos informativos para fundamentar a sentença. O autor diz que a sentença não pode se basear, mesmo que não exclusivamente, em elementos colhidos em sede inquérito policial, pois este é instrumento inquisitório,e portanto, não deveria poder ser utilizado na sentença.
Outro problema que se destaca, em relação a possibilidade de utilização de elementos informativos para fundamentar a sentença penal, é o fato de que em muitas vezes, quando o Ministério Público não consegue produzir provas perante o juízo, a "prova" que foi obtida no inquérito, termina sendo utilizada para fundamentar a decisão judicial de forma disfarçada, em conjunto com fracos elementos probatórios produzidos em juízo, que por si só, não teriam força suficiente para fundamentar uma sentença penal condenatória.
No tribunal do júri a situação ainda é mais gritante, pois a incorporação dos autos do inquérito nos autos do processo e a desnecessidade de fundamentação das decisões dos jurados, possibilita que os jurados decidam de acordo apenas com os elementos informativos colhidos no inquérito, já que os autos do inquérito e os autos do processo constituem um único documento que é entregue aos jurados, não havendo, portanto, qualquer distinção, e mesmo que houvesse, não surtiria efeito prático, já que os jurados não possuem formação jurídica.
Em outras palavras, no júri, os jurados em virtude do sistema da íntima convicção, possuem a total liberdade para decidir, sem que tenham o ônus de diferenciar elemento de informação de elemento probatório; decidem, portanto, como bem entenderem, o que dá margem para decisões baseadas exclusivamente com base nos elementos colhidos em fase preliminar; de inquérito.
Somente através da exclusão do inquérito dos autos do processo é que se evitará a condenação baseada em meros atos de investigação, ao mesmo tempo em que se efetivará sua função endoprocedimental.
Enquanto isso não ocorrer, entendemos que os elementos oferecidos pelo IP – à exceção das provas técnicas e das produzidas através do incidente de produção antecipada (ante o juiz) – não devem ser valorados na sentença e tampouco servir de base para uma condenação, ainda que sob o manto falacioso do “cotejando com a prova judicial” (LOPES JR, 2016, p. 93-94).
Corroboramos com o pensamento de Aury Lopes Jr, no sentido de que os autos do inquérito ou de qualquer outra investigação preliminar não podem ser incorporadas no autos do processo e muito menos serem valoradas na sentença.
Assim, postulamos a exclusão física dos autos do inquérito nos autos do processo, pois mesmo que se altere a redação do artigo 155 do código de processo penal, impossibilitando, assim, o uso dos elementos informativos na fundamentação da sentença, a presença dos autos do inquérito nos autos do processo influenciará o julgador ainda que de forma inconsciente.
O ideal mesmo seria, como postula Aury Lopes Jr, que se fosse adotada a figura do juiz de inquérito, figura esta presente nos processos penais na grande maioria dos países da Europa Ocidental.
O juiz de inquérito, além de ser importante no sentido de evitar a contaminação do julgador com os elementos de informação, funcionaria como garantidor dos direitos fundamentais do acusado na colheita das provas na fase preliminar.
Acreditamos, dessa forma, que o distanciamento do juiz com o que é produzido na fase preliminar é de extrema importância, para que o mesmo não seja contaminado, ainda que de forma inconsciente, com os elementos informativos que foram colhidos com a sua participação na fase preliminar (interceptação telefônica, por exemplo).
Conclui-se, assim que, o mais correto e justo para a democratização do processo penal brasileiro é a exclusão física dos autos do inquérito nos autos do processo penal, pois a presença dos elementos informativos nos autos do processo macula a imparcialidade e contamina o julgador.
Ademais, como dito no início, o inquérito policial tem como destinatário o Ministério Público, e sendo assim, não faz sentido incorporar tais elementos em autos que tem o julgador como destinatário final das informações.
É a função endoprocedimental dos atos do inquérito, no sentido de que sua eficácia é interna à fase, para fundamentar as decisões interlocutórias tomadas no seu curso.
Para evitar a contaminação, o ideal é adotar o sistema de eliminação do processo dos atos de investigação, excetuando-se as provas técnicas e as irrepetíveis, produzidas no respectivo incidente probatório. (LOPES JR, 2016, p. 94).

REFERÊNCIAS
BADARÓ, Gustavo Henrique. "Ônus da prova no processo penal". São Paulo: RT, 2003.

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