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terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

Abordagem Jurídica Atual: O que pensa o STF sobre a questão da ‘Sky Gato’?

Todo mundo, de alguma maneira, já ouviu falar de uma velha e famigerada prática –muito comum entre a maioria dos cidadãos – a denominada ‘gato net’, ‘sky gato’ ou qualquer outra nomenclatura que venha associada ao epíteto popular ‘gato, cat, arranjo’, ou mais um punhado de outras variações criativas derivadas do brocardo latim ‘gatus furtaitus’. Em suma, um jeitinho brasileiro, de se ‘usucapir’ o sinal digital visual ou áudio visual, gratuitamente, valendo-se de algum aparelhinho tecnológico projetado especialmente para esse fim.
Tais aparelhinhos, diga-se de passagem, tornaram-se tão comuns, que são facilmente encontrados em qualquer comercinho de esquina, e, muitas vezes, até vendidos pelos próprios funcionários que prestam serviços para as grandes empresas fornecedoras do ramo, os quais – nas horas vagas – praticam uma espécie de bico extraordinário, despindo-se da roupagem do emprego formal, e passando a vestir a tão festejada camisa de ‘Super Cat’, uma espécie de herói das minorias oprimidas pelo sistema financeiro que – por uma razão ou outra – não me cabendo aqui julgar,não teriam condições econômicas, por exemplo, de ter acesso a alguma dessas gigantes da televisão fechada, devido aos custos a que são comercializadas em nosso país.
Não estou aqui, aliás, a justificar a conduta – apenas fazendo uma abordagem realista dos fatos, como eles são e porque são – mesmo porque não é esta uma prática da qual compartilhamos, muito menos simpatizamos de algum modo – todavia, devemos registrar que, cada um tem os seus valores, e felizmente, não se enquadra no nosso conceito de jurídico sustentável tal prática – vez que, ainda que o seu tratamento legal e atual, não seja um rio calmo e pacífico, como o deveria ser,entendemos que, as questões morais, por si só, já deveriam nos levar a uma reflexão sincera sobre o ato. Todavia, como já disse, este é um assunto de foro íntimo e de trato jurídico, portanto, atenhamo-nos ao nosso foco.
A questão é que, o Direito Penal não se resolve apenas ‘moralmente’, uma vez que, o ‘princípio da legalidade’ – prevalecente nesta seara – é mais ‘firme’ e ‘taxativo’ que nas demais áreas do direito, principalmente pelo fato de estar em jogo a liberdade do indivíduo, e, acaso deixássemos para o julgador fazer qualquer juízo de valor analógico em matéria criminal, estaríamos a criar um perigoso precedente à própria paz social e à segurança jurídica. Por isso, no Direito Penal é assim: se estiver na lei é crime, se não, é pura conversa. Não à toa o brocardo que, desde pequenininhos aprendemos: ‘não há crime sem lei, nem pena sem prévia cominação legal’, em latim: “nullum crimen nulla poena sine previa lege”.Como diz o povo: ‘é sim–sim, não–não, e ponto! (Está lá no art. 5º, inciso XXXIX, da Constituição Federal e no art. 1º do Código Penal pátrio). É ou não é uma maravilha esse nosso direito penal?
Em relação ao tratamento atual, o tema ainda não é pacífico, de modo que, compartilhamos abaixo uma jurisprudência do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que resume bem o modo como essa temática vem, hoje, sendo vista pelo Judiciário.
Ementa: Apelação Crime. Furto de Sinal de TV a Cabo. Receptação Dolosa. 1. Furto. Manutenção da Absolvição. A materialidade do delito não restou comprovada, porque a captação clandestina de sinal de televisão por assinatura é conduta atípica. Não incide o disposto no art. 35 da Lei nº 8.977 /95 – o qual previu como ilícito penal a interceptação ou a recepção não autorizada dos sinais de TV a cabo – uma vez que o dispositivo legal em questão não previu qual a pena a ser imposta para o caso de adequação de eventual conduta ao preceito legal. Ao mais, conforme orientação jurisprudencial, não é possível caracterizar-se a conduta praticada pelo réu como furto de energia, com base no § 3º do art. 155do Código Penalsob pena de interpretação in malam partem. Precedentes. Absolvição mantida. TJ-RS - Apelação Crime ACR 70038050902 RS (TJ-RS). Porto Alegre, 18 de julho de 2014. (grifos nossos)
Recentemente, em consultas aos sítios eletrônicos da Câmara dos Deputados e Senado Federal, pudemos notar que o PL 188 de 2015 – que visa regulamentar tal prática – ainda não fora concluído, estando em trâmite, portanto, o vácuo legislativo, por ora, permanece.
Como bem disserta Pinheiro (2006) “(...) tanto em nível doutrinário quanto jurisprudencial, existem três correntes de entendimento a respeito da temática proposta: uma que caracteriza a conduta como delito de furto (art. 155, caput, c/c § 3º, do CP), outra que admite somente a configuração do crime de estelionato (art.171, caput, do CP) e outra que a considera atípica”. Inobstante o autor acima se mostre menos tendencioso a esta última corrente, tem sido ela justamente, nos últimos anos, a que mais se firmou em nosso Judiciário. Não temos a pretensão aqui de esvaziar o tema, por isso focaremos apenas no tratamento mais atual e tão só.
Apesar de o STJ [1] – adotar uma posição mais tendente a conceber tal prática como enquadrável no Crime de Furto –, a Suprema Corte [2], em face da omissão legislativa, homenageando o ‘Princípio da Taxatividade’considerou a conduta como ‘atípica’ (ou seja, sem previsão legal), sob o fundamento de que, em tais casos, diferentemente do que ocorre no furto de energia, não se pode falar em subtração, já que o sinal, mesmo com a interceptação, não resta diminuído.
Os demais Tribunais, seguindo o entendimento acima, têm adotado a mesma postura – em regra – interpelando que, poder-se-ia até discutir uma possível adequação da conduta na típica figura jurídica do 'furto de sinal' (genericamente falando), todavia – esta hermeneutização do instituto – feriria descaradamente o princípio da tipicidade penalinclusive porque sequer há uma previsão sancionatória ou punitiva para o ato em si. Mas e aí, como faríamos? Aplicaríamos também uma pena por analogia? Bem, isso não existe por óbvio no Direito penal. Com base nessa construção, também corroboramos que – doa a quem doer – infelizmente (ou não... Dependendo de quem lê!), não se pode aplicar a interpretação analógica para prejudicar o cidadãovez que consubstanciaria em verdadeira interpretação ‘malam partem’ –, traduzindo para o português escorreito: “prejudicial à parte”, e como sabemos, o direito penal não admite esse tipo de flexibilização punitiva.
Vejamos outro julgamento de pouco mais de 06 (seis) meses atrás – mais exatamente de 03 de agosto de 2015 – no mesmo sentido:
Apelação Crime. Furto de Sinal de TV à Cabo. Receptação Dolosa. 1. Furto. Manutenção da Absolvição. A materialidade do delito não restou comprovada,porque a captação clandestina de sinal de televisão por assinatura é conduta atípica. Não incide o disposto no art. 35 da Lei nº 8.977/95 - o qual previu como ilícito penal a interceptação ou a recepção não autorizada dos sinais de TV a cabo - uma vez que o dispositivo legal em questão não previu qual a pena imposta para o caso de adequação de eventual conduta ao precetro legal. Ao mais, conforme orientação jurisprudencial, não é possível caracterizar-se a conduta praticada pelo réu como furto de energia, com base no § 3º do art. 155 do Código Penalsob pena de interpretação in malam partem. Precedentes. Absolvição mantida.Recurso Especial nº 1.498.659 - RS (2014/0317706-1). Rel. Min. Nefi Cordeiro.Brasília, 03 de agosto de 2015. (grifos nossos)
Os leitores, certamente, devem estar se perguntando – 'Mas e aí, como fica?’ A resposta é: Não fica, meus caros! Essa é a parte em que muitos leitores, literalmente, começam a se contorcer em suas cadeiras, iniciando aquele velho ritual de praxe, da crise existencial jurídica - com um leve balançar negativo da cabeça, posteriormente um 'tremelique' na pálpebra do olho esquerdo, os lábios ficam ressecados e, por fim - com a boca quase que totalmente seca - surgem as verbalizações irresignadas que, a todo custo, vão querer defender que a conduta écrime, que é um absurdo, que a culpa culpa é do Agostinho ou do Lineu! Quiçá que a Venezuela tem algum envolvimento com isso! Bem, certamente você também já conheceu alguém assim, ademais, dê um 'brake' na revolta, termine de ler o artigo, e lhe garanto, tudo vai ficar numa boa.
Superado o ‘baque’ jurídico, a real é mesmo esta. Entendo tudo isto, mas – infelizmente – não se resolvem essas questões com revoltas ou crises jurídico-existenciais de dentro do seu quarto, de modo que, o máximo que você pode fazer acaso venha a se sentir muito ‘ofendido’ por pagar sua TV todo mês e ter que ver o seu vizinho do lado assistir aos mesmos programas que você usando ‘gato net’ e ainda tirar onda com a sua cara gritando Gol’ – toda vez que o seu time do coração leva goleada do rival –, é juntar uma turma e organizar um protesto na porta da Esplanada, visando celeridade nos procedimentais em transcurso, com o fim de que aprovem tão logo a tipificação do assunto, aquietando assim, a irresignação, por assim dizer.
No mais – forante às questões morais ou religiosas – a temática não pode, por ora, ser vista como uma prática criminosa (no máximo, politicamente imoral ou socialmente reprovável, como já dito), vez que não encontra previsão punitiva legal em nosso atual ordenamento jurídico, tudo isso corolário de um certoprincipio penal denominado ‘Taxatividade’, que por sua vez, é desdobramento da‘legalidade penal’, aquilo que, aliás, todo estudante de direito adora falar no início do primeiro período do curso – repete aí com a gente: nullum crimen nulla poena sine previa lege’. Agora corre pro abraço e deixa o papai 'adevogado' todo feliz!
Enfim, é sentar no sofá e esperar pra ver no que vai dar, enquanto isso, compre umas vuvuzelas, uns apitos, uns tamborins, faça uma pipoca e junte-se ao seu vizinho em dias de 'clássico' – exercite a espirituosidade, mas sem muito barulho, é claro!– porque a lei do silêncio, esta sim, já está valendo!

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