Em um dia que entrou para a história como
demonstração da união da advocacia brasileira e da defesa intransigente
das prerrogativas da classe, o presidente nacional da OAB, Claudio
Lamachia, desagravou nesta segunda-feira (17) a advogada Valéria Lúcia
dos Santos, algemada e presa no exercício da profissão durante uma
audiência no 3º Juizado Especial Cível de Duque de Caxias, depois de
questionar uma juíza leiga a respeito da inclusão de uma contestação no
processo.
Lamachia pediu à advogada que se sentisse abraçada e
acolhida por mais de 1 milhão e 100 mil advogadas e advogados
brasileiros. “O que estamos vendo aqui é uma demonstração clara de união
da advocacia brasileira. Acima de qualquer coisa, Valéria, você merece
respeito e admiração. Da minha parte, te saúdo como presidente nacional
da OAB, mas principalmente como colega de profissão. Temos que mostrar à
sociedade que em um somos todos e em todos somos um. Por isso mesmo,
temos aqui os presidentes da OAB de Pernambuco, São Paulo e Amazonas,
além de colegas advogados de vários locais que não viram barreiras para
prestar solidariedade a sua bravura. Mais do que a advocacia, é a
sociedade civil organizada te apoiando, reconhecendo sua coragem”,
disse.
Para ele, coragem deve ser algo inerente à postura de todo
e qualquer profissional da advocacia. “Inspirado pela Valéria, quero
aqui, com a autorização dela, conclamar uma união nacional pela nossa
profissão e pela nossa entidade. O processo eleitoral da Ordem se
aproxima e rogo para que não tenhamos ataques vazios, mas sim debate de
ideias. Quem pretende de alguma maneira calar a advocacia, saiba que não
aceitaremos jamais. Somos os verdadeiros defensores da liberdade, da
honra, do patrimônio e muitas vezes da própria vida das pessoas. Viva a
advocacia, viva a Valéria”, discursou.
Cassio Telles, presidente
da Comissão Nacional de Defesa das Prerrogativas e Valorização da
Advocacia, também esteve no desagravo. “A brava e valorosa advocacia
carioca se vê representada na figura da destemida Valéria, que não
aceita se calar. Foi algemada por ter requerido, peticionado, solicitado
o direito ao contraditório e à ampla defesa no livre exercício da
advocacia, em favor do seu cliente. Naquele dia, ela disse que chorava
por dentro, mas resistia por fora. Nós também choramos ao seu lado, não
por fraqueza, mas por tristeza frente à absurda cena que significou
algemas na advocacia brasileira, na sociedade, no direito mais sagrado
do advogado: usar da palavra”, disse.
Ele pediu dignidade no
trato com a advocacia desde o ingresso nos fóruns, onde os detectores de
metais têm de ser para todos e não somente para a advocacia; no direito
de se dirigir pessoal e diretamente a juízes e promotores, e não falar
com assessores; no sigilo das comunicações com clientes, entre outros
aspectos. “Você, Valéria, simboliza a resistência. Sem advocacia, não há
justiça, não há democracia, não há cidadania. Que a advocacia seja
forte para a sociedade ser bem defendida”, apontou Cassio.
Seccionais e Subseção
O
presidente da OAB-RJ, Felipe Santa Cruz, falou em nome da Seccional.
“Temos colegas de todo o Estado do Rio de Janeiro aqui, inclusive de
outras Seccionais. O Rio, comovido, recebe a todos de forma grata, para
dizer que não esqueceremos essa solidariedade. Um ônibus vindo do
Espírito Santo viajou por toda a madrugada para colegas virem até aqui
dizer que quando a advocacia é afrontada, são atacados todos os cidadãos
de bem. Não somente houve uma violência contra a advocacia, mas contra a
mulher. É clara a luta de inclusão da mulher na advocacia e na
sociedade. Cada um aqui vê o mundo da sua forma, mas a indignação contra
a violência é combustível para unir a todos. A forma heterogênea de
pensar não pode ser capaz de nos segregar”, apontou.
Santa Cruz
se referiu ainda à juíza leiga que algemou Valéria. “Quem algema
advogado não é advogado e não pode ter carteira da Ordem no bolso. O
judiciário brasileiro, cheio de autoridade, vem se construindo baseado
em um binômio: trabalhar menos e ganhar mais”, completou.
Marcos
da Costa, presidente da OAB-SP, também fez uso da palavra. “A advocacia,
quando se vê ferida de morte, se indigna, se enluta e fica ainda mais
forte. Nossas prerrogativas sofreram um violento golpe, que também
atinge a mulher, os negros. Valéria foi algemada como se bandida fosse.
Mas a data não é de lamentação, e sim de comemoração pela coragem da
advocacia demonstrada por esta verdadeira guerreira. Em nome dos 350 mil
advogados do estado de São Paulo, estamos aqui a te saudar e dizer, ao
seu lado, chega de violência à advocacia”, disse.
O presidente da
Subseção da OAB Duque de Caxias, Vagner Sant’ana, destacou que a
presença do presidente Claudio Lamachia no ato já indicava claramente a
importância do gesto.
Da mesma forma se posicionou Luciano
Bandeira, presidente da Comissão de Prerrogativas da OAB-RJ. “Estamos
aqui a abraçar a Valéria e dizer em alto e bom som: mexeu com uma
advogada, mexeu com toda a advocacia. Com a altivez que enfrentou esse
desafio, Valéria mostrou uma enorme força moral e de caráter. Depois de
ter sido algemada de forma vil e covarde, coisa que nem na ditadura
militar se fazia, manteve uma grande sensatez. Temos que utilizar esse
dia como um movimento nacional em prol da aprovação, na Câmara, da lei
que criminaliza a violação de prerrogativas da advocacia. É hora do fim
dos abusos”, conclamou.
Voz das mulheres advogadas
Eduarda
Mourão, presidente da Comissão Nacional da Mulher Advogada da OAB,
compareceu ao desagravo. “Evandro Lins e Silva disse que a advocacia não
é profissão para covardes. Eu reafirmo, mas completou: é profissão para
mulheres corajosas como você, Valéria. Estamos ao seu lado, precisamos
estar unidas pela retomada da dignidade que construímos ao longo dos
anos. A advogada precisa e deve ser respeitada”, apontou.
Marisa
Gaudio, presidente da OAB Mulher do Rio de Janeiro, pediu mais respeito à
mulher no mercado de trabalho e na sociedade. A presidente do Movimento
Mulheres Negras na OAB, Marina Marçal, ponderou que “quem é algemado no
Brasil, infelizmente, tem cor e raça definidas”.
“Vai faltar algema”
Muito
emocionada, Valéria foi a última a se pronunciar no ato, mas não
conseguiu falar muito. “Estudei muito para ser advogada. Eu só tenho a
agradecer, agradecer e agradecer. Tudo o que deveria ser falado, vocês
falaram. Recebi manifestações de centenas de colegas. As mulheres são as
que mais sofrem, e um depoimento me marcou muito: o de uma colega que
disse que segue meu exemplo de destemor, e eu respondi: ‘vai faltar
algema”, disse. O público presente, então, entoou o grito “vai faltar
algema”.
(Fonte: Conselho Federal)