Teo
Cury/BRASÍLIA
28 Dezembro 2018 | 21h29
28 Dezembro 2018 | 21h29
A Polícia Federal acredita que “há indícios do cometimento de crime de desacato” pelo advogado Cristiano Caiado de Acioli, de 39 anos, que, em um voo que ia de São Paulo para Brasília no
último dia 4 de dezembro, disse ao ministro Ricardo Lewandowski ter
vergonha do Supremo Tribunal Federal e vergonha de ser brasileiro por
causa da Corte.
O delegado da Polícia Federal Elias Milhomens de Araújo determinou a abertura de um inquérito policial para apurar a discussão no episódio do avião três dias depois do episódio,
no dia 7 de dezembro. Na portaria que autorizou a abertura da
investigação o delegado destacou a necessidade de “apurar possível
ocorrência do tipo previsto no art. 331 do Código Penal Brasileiro
(desacatar funcionário público no exercício da função ou em razão
dela)”. A lei prevê detenção de seis meses a dois anos ou multa.
Parecer assinado pela delegada Juliana Rossi Sancovich, chefe do Núcleo
de Correições da Corregedoria Regional da Polícia Federal do DF, destaca
que as oitivas e os vídeos do episódio “revelam conduta particular que,
em tese, é capaz de menoscabar o prestígio da função exercida pelo
órgão máximo do Poder Judiciário o que, salvo melhor juízo, se adequa o
tipo previsto no art 331 do Código Penal”.
No documento, a delegada lembra que o crime de desacato corresponde à
conduta capaz de ofender um funcionário público, não apenas no
exercício da sua função, mas também em razão dela. Ela ressalta, no
entanto, não ser incabível “aferição de juízo de culpabilidade” na
primeira fase da persecução penal, mas defende a instauração de
inquérito policial para a plena apuração do episódio.
O delegado Rodrigo da Silva Bittencourt, corregedor regional da PF,
concordou com a avaliação da chefe do Núcleo de Correições e entendeu
que há indícios da ocorrência do crime de desacato por considerar que
Caiado tentou com sua conduta desrespeitar, desprestigiar o Supremo, na
pessoa do ministro Ricardo Lewandowski.
Em depoimento ao delegado responsável pelo caso em 12 de dezembro, oito dias depois do episódio, o
ministro Ricardo Lewandowski afirmou que o advogado o chamou pelo nome
“de maneira exaltada, com o celular em punho, e passou a bradar insultos
à Suprema Corte do Brasil”.
Segundo Lewandowski, “diante do elevado estado de exaltação do
passageiro que bradava os insultos, preocupado com a segurança do voo e a
tranquilidade dos demais passageiros” o ministro “solicitou à
tripulação que acionasse a Polícia Federal do Aeroporto de Congonhas”.
O ministro disse “que até a chegada da Polícia Federal na aeronave o
passageiro continuou agindo de maneira exaltada”. Lewandowski contou
ainda que “durante o taxiamento, antes da parada completa, ele (Caiado)
se ergueu na aeroonave e passou a bradar os mesmos insultos direcionados
à Corte e à pessoa do declarante (ministro)”. O ato, de acordo com
Lewandowski, “ocasionou um tumulto na aeronave, com manifestações
favoráveis e contrárias à atitude dele.”
Em despacho desta quinta-feira, 27, o delegado Elias Milhomens de
Araújo determinou que seja autuado o extrato de passageiros encaminhado
pela Gol, os termos de declaração dos passageiros e que seja encartada a
mídia contendo o vídeo fornecido pelo deputado Floriano Pesaro. O
delegado informa que está pendente a resposta da Gol quanto à indicação
dos tripulantes do voo. No despacho, o delegado juntou ainda cópia do
ofício encaminhado pelo presidente do Supremo, ministro Dias Toffoli à
Procuradoria-Geral da República.
Além de colher os depoimentos do advogado e do ministro, a Polícia
Federal ouviu o agente que atendeu ao pedido do ministro ainda em SP,
uma passageira que disse ter aplaudido o Cristiano e que o acompanhou na
viatura até a Superintendência Regional do Distrito Federal, o deputado
federal Floriano Pesaro (PSDB-SP), um servidor público federal, uma
outra passageira e o então presidente da Infraero, Antônio Claret de
Oliveira.
Claret, que renunciou ao cargo há duas semanas, estava sentado na
mesma fileira em que estavam o ministro e o advogado. De acordo com ele,
Caiado “falava em voz alta, e tom agressivo, sendo possível ouvir além
da primeira fileira”. O ex-presidente da Infraero disse ainda que “ficou
preocupado com a passageira que se encontrava entre ele e o passageiro
(Caiado) que se manifestava, pois ela ficou acoada”. Claret completou
dizendo que “chegou a pedir calma a ele em tom de voz baixo”.
O caso
Após ouvir de Caiado que o Supremo é uma ‘vergonha’, o ministro
Ricardo Lewandowski questionou se ele queria ser preso e pediu aos
comissários da aeronave que partia de São Paulo com destino a Brasília
que chamassem agentes da Polícia Federal. Ainda
em São Paulo, Caiado gravou um vídeo em que diz ao ministro que tem
vergonha da Corte e vergonha de ser brasileiro por causa do STF.
O episódio ocorreu no voo G3 1446, da Gol, que deixou o Aeroporto de
Congonhas, em São Paulo, às 10h45, e aterrissou no Aeroporto
Internacional de Brasília às 12h50, com 20 minutos de atraso.
No vídeo, o advogado diz: ‘Ministro Lewandowski, o Supremo é uma
vergonha, viu? Eu tenho vergonha de ser brasileiro quando eu vejo
vocês’. O ministro responde: ‘Vem cá, você quer ser preso? Chamem a
Polícia Federal, por favor’. Em seguida, o ministro diz que o advogado
terá de explicar para a Polícia Federal o que falou a ele.
Acioli foi conduzido à Superintendência Regional do Distrito Federal,
onde prestou depoimento, tendo sido liberado em seguida. Antes de
esclarecer os fatos à autoridade policial, o advogado ficou retido por
aproximadamente uma hora na aeronave que o levava a Brasília sendo
acompanhado de perto por um agente da Polícia Federal. Em conversa
telefônica com o Estado ainda dentro do avião, o
advogado perguntou ao agente que o acompanhava o motivo de estar sendo
mantido dentro dele. “Ele disse que eu não posso saber por que estou
sendo retido”, disse à reportagem.
“Sou pessoa que tem retidão na vida, procuro não fazer mal aos
outros, sou uma pessoa patriota, serena, amo o Direito e o País e acho
que todo o cidadão tem direito de se expressar e sentir vergonha ou não
pelo Supremo Tribunal Federal. Eu disse o que penso. A gente não vive
ainda ditadura neste país. Acho que todas as pessoas têm direito de se
expressar de forma respeitosa”, disse por telefone à reportagem, ainda
no avião.
“(Ainda em São Paulo) A Polícia Federal chegou e perguntou se eu iria
causar problemas. Eu falei que eu tenho direito de criticar o Supremo.
Eu fiz respeitavelmente, é direito constitucional meu, não causei
tumulto nem nenhum tipo de crime. Fiz minha parte que era me manifestar
de forma respeitosa. Tiraram cópia do documento de identificação e
liberaram o avião. Quando pousamos, fiz desagravo particular meu porque
estou muito abalado emocionalmente”, contou.
Por meio de nota, o gabinete de Lewandowski informou que o ministro,
ao ‘presenciar um ato de injúria’ à Corte, ‘sentiu-se no dever funcional
de proteger a instituição a que pertence, acionando a autoridade
policial para que apurasse eventual prática de ato ilícito, nos termos
da lei’.
COM A PALAVRA, CRISTIANO CAIADO DE ACIOLI
“Eu estou sendo perseguido como inimigo do Estado tão somente porque
fui digno de expor uma crítica, que acredito justa, feita de forma
educada, tudo foi registrado, imagina se não fosse. Eu jamais ofenderia o
Ministro Ricardo Lewandowski, a lei maior me assegura a liberdade de
expressão , enquanto direito fundamental, o Estado jamais pode ser usado
para exercer a censura disso. A própria Constituição veda toda e
qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.
Eu me dirigi respeitosamente, em tom baixo, sem me levantar, com
deferência ao cargo do Ministro. Porque eu me dirijo assim independente
do cargo e sim pelo próprio respeito às pessoas. Eu trato os lixeiros
que passam na minha casa com o mesmo respeito que trato um Ministro.
Respeito e acato a gente deve a todos, independentemente de status
social e poder que a pessoa detém.
A liberdade de criticar os agentes políticos é um meio essencial de
controle da própria democracia. Esse inquérito é estarrecedor, as
gravações mostram de maneira inequívoca o perigo que toda a sociedade
brasileira está correndo. Cabe frisar inicialmente que o Ministro em
nota oficial do gabinete alegou que eu havia cometido crime de injúria
contra o STF, agora já estão me acusando do cometimento de desacato?
Como desacato se nem a serviço o ilustre ministro estava?
Acho que o assunto merece reflexão profunda de toda a sociedade e
toda a imprensa livre, pois isso me parece puro uso da máquina do Estado
para reprimir uma manifestação. Não interessa a vertente política,
direita ou esquerda, todos tem o direito e o dever de expor os seus
sentimentos.”
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