Mariana Alvares de Miranda
1 - Introdução
O caso Stanford v. Kentucky, discutido na
Suprema Corte norte-americana em 1989, julgou pela constitucionalidade
da pena de morte aplicada a infratores com menos de 18 anos – o que foi
posteriormente revogado pelo caso Roper v. Simmons, de 2005. Na ocasião,
além da discussão acerca da oitava emenda que proíbe punições cruéis e
incomuns, o Justice Scalia, em sua perspectiva originalista da
Constituição norte-americana, suscitou também o debate acerca da
aplicação de jurisprudências estrangeiras às decisões da corte,
defendendo que apenas a experiência norte-americana seria capaz de
definir o que seria categorizado enquanto pena cruel - como se a prática
constitucional dos demais países fosse irrelevante no entendimento da
“decência” americana.[1]
De fato, à Constituição norte-americana
ratificada em 1788 é atribuída significativa importância, considerada o
marco inaugural do “constitucionalismo moderno”. Certamente, o impacto
de uma constituição formal, rígida e suprema em relação às leis
ordinárias, que não apenas descreve como prescreve a organização dos
sistemas políticos foi advento expressivo na trajetória constitucional
de diversos países, com especial destaque para os latino-americanos que,
no século XIX, chegaram a “importar” as estruturas federativas e
judiciárias norte-americanas, assim como sua predileção pelo
presidencialismo.
No entanto, a Constituição não é uma
criação ex nihilo, segundo Cristiano Paixão[2] e, de fato, os elementos
reunidos na formulação e consolidação constitucional em países como
Estados Unidos e Brasil não poderiam ser mais diferentes – de um lado, a
negligência salutar britânica e as práticas de autogoverno, do outro, a
tentativa de superar décadas de um bruto regime militar ilegítimo - e,
portanto, não podem ser desconsiderados. A supervalorização da
experiência norte-americana, nos moldes defendidos pelo Justice Scalia
ofusca incríveis chances de aprendizado com a história e as práticas de
outros países. Por isso, é cada vez mais necessário um estudo
constitucional comparado.
Enquanto a experiência norte-americana se
mostra certamente como um influente e especial caso de análise, ela não é
paradigmática e não deve ser naturalizada, uma vez que mesmo países que
partilham de seu modelo institucional básico desenvolveram e se
adaptaram a suas peculiaridades próprias: enquanto a média mundial de
duração de uma constituição é de 18 anos, a dos Estados Unidos
ultrapassa os 200; apesar da preferência americana por
presidencialismos, estatísticas globais indicam o predomínio de
parlamentarismos; na década de 30, enquanto prosperavam a maioria das
instituições americanas, seus vizinhos do sul enfrentavam crises e
caudilhismos[3] - como explicar essas diferenças, no âmbito do
constitucionalismo global?
Num intuito de responder essa pergunta,
assim como quaisquer outras que também sintetizem a essência da
diferença entre o funcionamento das instituições e governos nesses
países, esse artigo parte da perspectiva constitucional comparada,
propondo inicialmente uma análise histórica minuciosa do processo
constitucional norte-americano, incluindo o período pré-revolucionário,
assim como um apanhado do desenho institucional neste primeiro momento
implantado. Em seguida, o mesmo será realizado em relação ao processo
constitucional que precedeu 1988 no Brasil, levando em consideração
todas as suas peculiaridades, inclusive a instabilidade gerada pela
antecedente alternância entre governos autoritários e democráticos –
ambos, sempre constitucionalizados. Por fim, a etapa final buscará
sumarizar os principais pontos convergentes e divergentes encontrados
com essa análise histórico-política, a fim de buscar conclusões.
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