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terça-feira, 3 de julho de 2018

A mulher transgênero e o sistema prisional.

 

O presente artigo versa sobre as mulheres transgêneros que se encontram encarceradas em presídios masculinos. Destaca-se a flagrante violação aos direitos fundamentais que garantem a todos os brasileiros a proteção contra qualquer ato degradante e desumano, garantindo-lhes condições a uma vida digna. Estas garantias estão previstas na Constituição Federal de 1988, no Artigo , Inciso III; Artigo , inciso XLVII que proíbe penas crueis, Artigo , inciso XLIX que garante a integridade fisica e moral do cidadão encarcerado, bem como a interpretação exemplificativa do Artigo , Parágrafo Único da Lei 7.210 (Lei de Execução Penal).
Palavras-chave: Transexual/Travesti/Transgênero; Direitos Fundamentais; Identidade De Gênero; Sistema Prisional; Lei De Execução Penal.
ABSTRACT
This article deals with transgender women who are incarcerated in male prisons. It highlights the flagrant violation of fundamental rights that guarantee to all Brazilians the protection against any degrading and inhuman act, guaranteeing them conditions for a dignified life. These guarantees are provided for in the Federal Constitution of 1988, in Article 1, Section III; Article 5, Subsection XLVII, which prohibits cruel punishments, Article 5, Subsection XLIX, which guarantees the physical and moral integrity of the imprisoned citizen, as well as the exemplary interpretation of Article 3, Single Subsection of Law 7,210 (Law on Criminal Executions).
Keywords: Transexual/Transvestite/Transgender; Fundamental Rights; Gender Identity; Prison System; Criminal Execution Law.
INTRODUÇÃO
As Mulheres Transgênero encarceradas são submetidas diariamente a tratamentos vexatórios e desumanos, embora, existam direitos que devam ser respeitados pelo poder público e sociedade. A identidade de gênero é a forma como a pessoa se identifica; transexualidade é quando o indivíduo nasce com um sexo biológico (macho/fêmea), entretanto, identifica-se com o sexo oposto; Mulher Transgênero é o indivíduo que biologicamente nasceu homem, mas mentalmente e socialmente se identifica e porta-se como uma mulher.
Destaca-se que perante o conjunto da comunidade, pode-se considerar este um segmento socialmente vulnerável, lato senso, cujas características não são consideradas quando em cumprimento a pena privativa de liberdade. As pessoas nessa condição são encaminhadas a unidades prisionais masculinas, sem a consideração à sua identidade de gênero.
O encarceramento de mulheres transgênero em unidades masculinas gera condição degradante ao indivíduo. É notória a inadequação nas prisões brasileiras, noticia-se na mídia situações em que transexuais/travestis são estupradas, torturadas, agredidas fisicamente e psicologicamente, evidenciando-se violação aos seus direitos e garantias fundamentais.
1. TRANSGÊNERIDADE E OS DIREITOS FUNDAMENTAIS.
Para que seja possível uma análise detalhada do que é identidade de gênero, transexualidade/travestilidade, orientação sexual e suas peculiaridades são necessários distinguir alguns conceitos básicos para melhor abordar o tema.
Explorar os princípios fundamentais brasileiros, tratados internacionais e a aplicabilidade ao segmento transgênero do movimento LGBT.
1.1. A DIFERENÇA ENTRE SEXO, IDENTIDADE DE GÊNERO E ORIENTAÇÃO SEXUAL
O conceito de sexo é altamente discutido, compreendendo uma gama de fatores, Raul Choeri ao explicar o conceito de sexo afirma que
A determinação do sexo do ser humano abrange diversos fatores de ordem física, psíquica e social. Num indivíduo tido como normal, há uma perfeita integração de todos os aspectos, tanto de cada um desses fatores isoladamente, como no equilíbrio entre todos eles. Assim, a definição do sexo individual, comumente aceita pelas Ciências Biomédicas e Sociais, resulta, basicamente, da integração de três sexos parciais: o sexo biológico, o sexo psíquico e o sexo civil. (CHOERI, 2004, p.85)
Por conseguinte, podemos definir sexo biológico do indivíduo pela combinação de cromossomos de uma pessoa, com seu órgão genital, logo, estabelece se o indivíduo é macho ou fêmea.
Verifica-se que, sexo psicológico é a identidade de gênero do indivíduo e está relacionado à forma com a qual a pessoa se identifica e se apresenta perante uma sociedade, se extraindo dos Princípios de Yogyakarta fundamentos sobre o tema
“identidade de gênero” como estando referida à experiência interna, individual e profundamente sentida que cada pessoa tem em relação ao gênero, que pode, ou não, corresponder ao sexo atribuído no nascimento, incluindo-se aí o sentimento pessoal do corpo (que pode envolver, por livre escolha, modificação da aparência ou função corporal por meios médicos, cirúrgico ou outros) e outras expressões de gênero, inclusive o modo de vestir-se, o modo de falar e maneirismos. (YOGYAKARTA, Princípios de, 2006, p.10)
Já em outro ramo da sexualidade temos a orientação sexual que está vinculada a por quem o indivíduo se sente atraído sexualmente, conceito que também encontramos nos Princípios de Yogyakarta
Compreendemos orientação sexual como uma referência à capacidade de cada pessoa de ter uma profunda atração emocional, afetiva ou sexual por indivíduos de gênero diferente, do mesmo gênero ou de mais de um gênero, assim como ter relações íntimas e sexuais com essas pessoas. (YOGYAKARTA, Princípios de, 2006, p.7)
Seguindo está linha de raciocínio, a orientação sexual do indivíduo, heterossexual ou homossexual, não está vinculada a autoidentificação desta pessoa, logo, é possível um indivíduo cisgênero (que se identifica com o gênero que lhe foi atribuído ao nascimento) ser homossexual ou heterossexual.
Portanto, é possível um cidadão transgênero ser heterossexual ou homossexual. É o caso de uma mulher transexual/travesti que se sinta atraída por um homem cisgênero/transgênero, ela será considerada uma mulher transexual heterossexual, já se a mesma se sentir atraída por uma mulher cisgênero/transgênero, será considerada uma mulher transexual lésbica.
1.1.1. O QUE É TRANSGÊNERO, TRANSEXUAL E TRAVESTI.
Inicialmente é de ser ressaltado que transgênero é um termo amplo, que engloba indivíduos cuja expressão de gênero ou identidade de gênero não é de acordo com o atribuido em seu nascimento, Jaqueline Gomes explica
Transgênero Conceito “guarda-chuva” que abrange o grupo diversificado de pessoas que não se identificam, em graus diferentes, com comportamentos e/ou papéis esperados do gênero que lhes foi determinado quando de seu nascimento. (GOMES, 2012. p.14)
A transexualidade é considerada pela Organização Mundial de Saúde uma patologia, considerando-o portador de um desvio psicológico, inclusive no Brasil como se pode verificar na Resolução nº 1955/2010 do Conselho Federal de Medicina, que trata a respeito da cirurgia de transgenitalismo
CONSIDERANDO ser o paciente transexual portador de desvio psicológico permanente de identidade sexual, com rejeição do fenótipo e tendência à automutilação e/ou autoextermínio [...]
Art. 3º Que a definição de transexualismo obedecerá, no mínimo, aos critérios abaixo enumerados:
1) Desconforto com o sexo anatômico natural;
2) Desejo expresso de eliminar os genitais, perder as características primárias e secundárias do próprio sexo e ganhar as do sexo oposto;
3) Permanência desses distúrbios de forma contínua e consistente por, no mínimo, dois anos;
4) Ausência de outros transtornos mentais.(Onde se lê “Ausência de outros transtornos mentais”, leia-se “Ausência de transtornos mentais”) (MEDICINA, Conselho Regional, 2010, p.1)
Tal consideração, entretanto, gera um estigma social para com esses indivíduos, que são rotulados pela sociedade por fugirem do padrão de “cidadão ideal”, embora, em uma sociedade enraizada em princípios religiosos, tal conduta é qualificada como “errada” e “pecadora”, a manifestação da identidade de gênero é importante, pois corresponde a dimensões distintivas e intrínsecas da manifestação do direito a personalidade.
Ao nascer é designado um sexo para o indivíduo, de acordo com sua genitália, entretanto, sexo biológico e identidade de gênero não estão interligados, uma vez que identidade de gênero é a forma com a qual a pessoa se identifica perante a sociedade, ou seja, é a forma com a qual o indivíduo externaliza sua identidade e sexo biológico é de acordo com a genitália pênis/vagina.
Maria Helena Diniz classifica a transexualidade “como uma condição sexual da pessoa que rejeita a sua identidade genética e a sua própria anatomia, identificando-se psicologicamente com o gênero oposto” (DINIZ, 2014, p.298).
Verifica-se que para o indivíduo transexual há uma necessidade de adequar a sua anatomia e fisionomia à sua identidade de gênero. O que os leva a realização de diversas cirurgias, uso de hormônios, mudança nas vestimentas e maneira de se portar perante a sociedade, não obstante a isso, a realização da cirurgia de transgenitalização, também não pode definir se uma pessoa é homem ou mulher, não podendo ser imposta a realização da mesma para que seja reconhecida tal pessoa pela sociedade em sua identidade de gênero.
Gisele Alessandra Schmidt, advogada, transexual, em sua sustentação oral na ADI 4275, disserta "Não somos doentes como pretende a classificação internacional de doenças. Não sofro de transtorno de identidade sexual. Sofre a sociedade de preconceitos historicamente arraigados contra nós e nossos corpos, tidos como abjetos." (BRASIL, Supremo Tribunal Federal, ADI nº 4275, 07 de junho de 2017).
Já a mulher travesti, se identifica entre ambos os sexos, materializando características masculinas e femininas, podendo ser vista em um terceiro gênero, porém exercendo padrões sociais femininos, Rainner Roweder expõe
O terceiro gênero é uma alternativa neutralizante das diferenças geradas pelo gênero. Assim, aqueles que não se sintam estritamente masculinos ou femininos possuem uma terceira margem, denominada de terceiro gênero, que amplia a autonomia da personalidade, o espectro de liberdade e de controle do próprio corpo dos seres humanos. (ROWEDER, 2015, pp.59-60)
Ao fugir do gênero designado no nascimento, a mulher transgênero se desvincula dos padrões sociais de gênero que lhe foram impostos. Cria-se uma resistência em forma de preconceito social, que por muitas vezes limita o indivíduo a se identificar com seu sexo biológico, e por fim ignora as escalas que constituem a sexualidade da pessoa.
A minoria transgênero é submetida a torturas e preconceitos desde a mais tenra idade, pelo simples fato de exteriorizarem sua identidade, suas vidas são regadas a violências e supressões de direitos.
Hoje pessoas que se expressam de maneiras diversas ao sexo atribuído em seu nascimento estão passiveis à humilhações e sofrimentos em todos os lugares, sendo altíssimos os índices de depressão, automutilação e suicídio entre as pessoas transexuais no Brasil e no Mundo.
A ONG Transgender Europe em novembro de 2016 publicou o artigo “Transgender Europe’s Trans Murder Monitoring Project” no qual aponta que o Brasil encontra-se no topo do ranking de países com mais registros de homicídios de pessoas transgêneras, com 802 mortes entre os anos de 2008 a 2016 (EUROPE, Transgender ONG, 2016, p.1)
Há uma naturalização da violência, da omissão estatal e jurídica, que gera danos psíquicos e físicos a uma parcela vulnerável da sociedade. Veda-se a este segmento o acesso a uma serie de direitos como saúde, educação, identidade e dignidade.
O Procurador Geral de Justiça Rodrigo Janot, no Julgamento da ADI Nº 4275, diz
“O direito a auto identificação sexual constitui direito individual que decorre diretamente do princípio da dignidade da pessoa humana enquanto valor fonte que informa e conforma todo o ordenamento constitucional, a identidade sexual, portanto qualifica-se como um direito fundamental da personalidade que tem como elemento mínimo de concretização a adequação da concepção individual de sexualidade.” (BRASIL, Supremo Tribunal Federal, ADI nº 4275, 07 de junho de 2017)
Constata-se que o direito à identidade é a conexão entre o indivíduo e a sociedade em geral, assim conforme ensina Szaniawski "o direito à vida, o direito à integridade psicofísica e o direito à saúde constituem o trinômio que informa o livre desenvolvimento da personalidade e a salvaguarda da dignidade do ser humano, traduzindo-se no exercício da cidadania" (SZANIAWSKI, 1999, p. 176).
Como se pode constatar há uma necessidade para o indivíduo transgênero de adequar seu exterior para que reflita o seu interior, logo, cabe ao Estado garantir a este segmento social políticas públicas a fim de garantir o bem estar social da população transexual/travesti.
1.2. O QUE SÃO DIREITOS FUNDAMENTAIS
Os direitos fundamentais estão previstos na Constituição Federal de 1988, e estão relacionados intrinsecamente as garantias a todos os seres humanos que já nascem com os mesmos, não sendo uma concessão do Estado e sim direitos básicos inerentes a todos, Gilmar Mendes ao analisar o tema aponta
Não é impróprio afirmar que todas as pessoas são titulares de direitos fundamentais e que a qualidade de ser humano constitui condição suficiente para a titularidade de tantos desses direitos. Alguns direitos fundamentais específicos, porém, não se ligam a toda e qualquer pessoa. Na lista brasileira dos direitos fundamentais, há direitos de todos os homens – como o direito à vida. (BRANCO; COELHO; MENDES, 2008. p.240)
Devem tais direitos, ser interpretados de forma que se adequem as exigências de cada momento histórico para que abranjam as peculiaridades e evoluções dos seres humanos e da sociedade, Paulo Gustavo Gonet Branco discorre sobre
O catálogo de direitos fundamentais vem-se avolumando, Conforme as exigências específicas de cada momento histórico. A classe de direitos que são considerados fundamentais não tende a homogeneidade o que dificulta uma conceituação material ampla e vantajosa que alcance todos eles. Tampouco a própria estrutura normativa dos diversos direitos fundamentais não é coincidentemente em todos os casos (BRANCO; COELHO; MENDES, 2006, pag.270)-
Expõe-se também que tais direitos são indivisíveis, podendo-se afirmar que o desrespeito a um deles acarreta violação a todos.
Há de se verificar, que a Constituição Federal de 1988, concedeu os direitos e garantias individuais o grau de cláusula pétrea, reafirmando a prioridade do Estado em garantir os direitos humanos.
Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:
§ 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
IV - os direitos e garantias individuais.
Dessa forma, garantiu o constituinte que os direitos e garantias individuais não podem ser retirados mediante proposta de emenda constitucional.
Ante o exposto, constata-se que há uma necessidade de uma adequação da aplicabilidade dos direitos fundamentais para que vá de encontro à realidade social e pessoal das mulheres transexuais/travestis, para promover garantia perante a sociedade e o direito.
1.3. DIREITOS FUNDAMENTAIS DA MULHER TRANSGÊNERO
Constam na Constituição Federal de 1988 direitos que devem ser assegurados a todos os brasileiros, inclusive os encarcerados e conforme se nota, há uma necessidade da adequação da interpretação do direito para garantir as mulheres transgênero um tratamento igualitário.
Verifica-se na Carta Magna em seu artigo , III o princípio da dignidade da pessoa humana, fundamental para o Estado Democrático de Direito brasileiro, garantidor do respeito à identidade e integridade, sendo exigido que todos sejam tratados com respeito cabendo ao Estado garantir condições para que as pessoas se tornem dignas.
Ainda nesse contexto de conferir à dignidade da pessoa humana um status de princípio fundamental essencial fonte de todo ordenamento jurídico brasileiro, manifesta-se o STF:
O postulado da dignidade da pessoa humana, que representa - considerada a centralidade desse princípio essencial (CF, art. , III)- significativo vetor interpretativo, verdadeiro valor-fonte que conforma e inspira todo o ordenamento constitucional vigente em nosso País e que traduz, de modo expressivo, um dos fundamentos em que se assenta, entre nós, a ordem republicana e democrática consagrada pelo sistema de direito constitucional positivo (BRASIL, Supremo Tribunal Federal, HC 106.435, 01 de Fevereiro de 2011, p.1).
Já o Artigo , inciso IV, da Carta Magna dispõe
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil
(...)
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Tal fundamento garante o direito a igualdade do indivíduo, devendo ser respeitando o direito à identidade de gênero e orientação sexual da mulher transexual/travesti, dessa forma, o direito de realizar intervenções corporais, mudanças nas vestimentas e comportamentais, configura o exercicio expresso da personalidade, logo, deve o Estado fomentar pelo bem estar social desse segmento da sociedade.
No Artigo , da Constituição Federal, encontra-se um rol de incisos que garantem aos brasileiros e estrangeiros residentes no país direitos e garantias fundamentais. Sob análise atenta do caput do referido artigo, depara-se com o princípio fundamental da igualdade, que garante a todos o direito de serem tratados iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza.
Pedro Lenza analisando o referido, diz que “se deve, contudo, buscar não somente essa aparente igualdade formal, mas, principalmente, a igualdade material, uma vez que a lei deverá tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de sua desigualdade” (LENZA, 2011, p.875).
Aplicando o referido princípio no nosso estudo, verifica-se que a população transgênero carcerária merece um tratamento diferenciado, vez que, pertencem a uma classe social que sofre com o estigma de ser presidiário e transgênero, sendo que o Estado e a sociedade são omissos perante as desumanidades a qual estas são submetidas, entretanto, a igualdade deve ser aplicada sem que haja vedaçâo, inclusive a de identidade de gênero.
Logo, deve o Direito privar pela inclusão social e promover a justiça de todos os indivíduos, inclusive os que se reconhecem como transgênero, que são submetidas a situações sub-humanas devido a sua identidade de gênero, vez que essa configura o exercício do direito de liberdade e personalidade.
Continuando o estudo do artigo 5º, no inciso III, “ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante”, observa-se que o referido inciso garante a todos os brasileiros e estrangeiros residentes no país o direito de ser tratado com dignidade, entretanto, pecou o legislador ao não definir a prática da tortura no mencionado inciso.
Em 1991 o Brasil aderiu à Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes firmada pela Organização das Nações Unidas, porém, ainda sem definir a tortura.
Por fim, em 1997 foi introduzida a lei nº 9.455 que trouxe a tipificação da pratica do crime de tortura, que diz
Art. 1º Constitui crime de tortura:
I - constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental:
(...)
c) em razão de discriminação racial ou religiosa;
II - submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo. (BRASIL, Lei 9.455 de 7 de Abril de 1997)
Haja vista que a população carcerária transexual/travesti é submetida a situações abusivas e discriminatórias, por vezes sofrendo violência física, através de estupros e espancamentos, bem como moral ao serem ofendidas e submetidas a situações vexatórias, uma clara violação a referida lei e a Carta Magna.
No referido diploma em seu inciso X, é garantido a inviolabilidade da intimidade, vida privada e honra
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
Já no artigo 5º, inciso XLIX, diz “é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral” entretanto, a realidade brasileira passa longe da explicitude legal. Uma vez que o sistema penal do pais não possui infraestrutura física básica para o funcionamento da lei.
O referido diploma é pautado na dignidade da pessoa humana e constitui-se em qualidade intrínseca, que garante ao ser humano um tratamento respeitoso, tanto por parte da sociedade como pelo Estado.
O legislador, ao estabelecer tal proteção aos direitos dos presos, pretendeu extinguir do ordenamento jurídico qualquer ato degradante ou desumano. Entretanto, a realidade é diferente, uma vez que os presídios não possuem infraestrutura e acabam se tornando um verdadeiro depósito de gente.
Nota-se que cabe ao Estado garantir o bem estar físico e psicológico de todos os indivíduos, inclusive os preso, Rogério Greco ao analisar o artigo 38 do Código Penal discorre
A pena é um mal necessário, mas o Estado, quando faz valer o seu ius postulandi, deve preservar as condições mínimas de dignidade da pessoa humana. O erro cometido pelo cidadão ao praticar um delito não permite que o Estado cometa outro, muito mais grave, de trata-lo como animal. (GRECO, 2012, p.130)
Assim surge o direito da população carcerária transgênero, que embora estejam privadas de sua liberdade, em momento algum perde seus direitos fundamentais intrínsecos aos seres humanos, sendo dever do Estado garantir a este segmento social um tratamento digno e igualitário.

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