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quinta-feira, 13 de julho de 2017

Violência no futebol: a desorganização organizada !

Quando a tragédia com o avião da Chapecoense aconteceu, o sentimento era de união. As torcidas organizadas de futebol de diversos clubes nacionais e internacionais cederam aos apelos motivacionais que revelavam conciliação em prol de um bem maior: a solidariedade.
Mais uma vez tal sentido rendeu-se à liquidez dos eventos contemporâneos. A concórdia ficou para trás, numa marca histórica a ser relembrada apenas por colunistas nostálgicos e torcedores do verdadeiro espetáculo que é o futebol.
O Brasil fez seu nome no esporte bretão há anos. Tostão, Ademir da Guia, Rivelino, Carlos Alberto, Zico, Garrincha, Pelé, Romário, Rivelino, Alex, entre outros, quem não ouviu falar do inventor brasileiro do gol de bicicleta Leônidas da Silva, o Diamante Negro?
Tudo isso bastou para cinco campeonatos mundiais, fama no esporte e grande competitividade entre investidores estrangeiros que seduziam jovens craques de bola a deixar o país e tentar a sorte no exterior.
Bastou somente para isso. Dentro do país a situação se complicou. Torcidas organizadas repetiam a violência que ocorria fora dos gramados dentro das arquibancadas, guerras eram travadas no interior dos estádios, suas vítimas contabilizam um número que leva o Brasil ao primeiro lugar num campeonato onde todos querem figurar apenas como críticos ou observadores: é o local onde o maior número de mortes ocorre motivadas pelo futebol, mesmo sendo, ele, Brasil, o país que adotou o futebol como seu esporte de destaque e paixão.
Jogos de clubes rivais destacam a animosidade dos torcedores antagônicos transformar-se em um ódio que deve ser lavado com sangue. Só no ano de 2013 trinta pessoas foram assassinadas tendo como motivo o futebol.
Sabe-se que recrudescer a norma penal não afetaria nenhum tipo de sensibilização aos machões que se preparam para a briga entre torcidas de times; nunca um imbecil deixará de socar outro imbecil que também o soca travestido de torcedor motivado pela lei.
As torcidas organizadas levam espetáculo aos estádios, a festa é grandiosa principalmente quando clássicos ocorrem. Mas também brigas são marcadas até mesmo por aplicativos como WhatsApp e em redes sociais como Facebook, com locais e horários para o encontro bélico, de pessoas adultas que dão mais importância à briga do que propriamente a sua vida.
Os hooligans ingleses fizeram parte da história obscura do futebol daquele país. Quando em uma partida em 1989 na semifinal da Copa da Inglaterra, mais de noventa e seis pessoas morreram esmagadas e pisoteadas em uma confusão generalizada, causada pela ânsia do governo inglês em acabar com tais brigas, a situação piorou.
Ao enclausurar parte da torcida do Liverpool em um canto entre grades, cercas elétricas e arames pontiagudos que buscavam isolar as torcidas, a falta de sinalização e a lotação no local, aliada às provocações do time rival, fizeram com que a tragédia ocorresse.
Mas no Brasil, qual seria a solução?
Na Inglaterra, inúmeras atitudes foram tomadas, incluindo a desconstrução que havia nos estádios de um espaço entre as arquibancadas e as grades de proteção que a separavam do campo de jogo, habitat favorável para que os hooligans travassem suas batalhas.
Nesse espaço propicio à movimentação bélica, cadeiras foram colocadas e em todos os estádios, desde a primeira liga até a divisão intermediaria, os locais passaram a possuir assentos, que evitavam a aglomeração.
De outro lado, a polícia passou a agir. Ao invés de conter os baderneiros, iniciou um programa de identificação dessas pessoas, para que se possa processa-las adequadamente, incluindo penas de banimento ao futebol. As frequentes guerras entre hooligans e policia viraram história.
Só na temporada de 2012/2013, mais de 2400 prisões foram realizadas por intermédio da inteligência policial. A essas pessoas violentas natas e causadoras das brigas, durante três anos somente poderiam assistir pela TV o futebol do seu time, e em dias de jogos internacionais, teriam de entregar o passaporte para as autoridades. Caso seja preso dentro dos estádios ou algo revele o descumprimento, o processo penal começa a agir.
O trabalho demorou anos e vem sendo praticado desde 1990. Mas está funcionando.
No Brasil, os clubes passaram a modernizar seus estádios, com equipamentos como câmeras de segurança e um sistema de segurança de identificação dos torcedores que fazem parte das torcidas organizadas, bem como de seus sócios. A grande maioria dos espectadores de estádio são sócios de seus clubes, devido aos benefícios que tal associação acarreta, dessa forma, mais fácil fica a prevenção.
Outro importante fator é a punição ao clube. Objetos jogados em campo, que podem ferir os artistas do espetáculo, e de toda forma, que demonstram agressividade da torcida, podem fazer o clube perder mandos de campo e multa. Todavia, tais multas nada causam ao clube, uma vez que o futebol se tornou um esporte milionário, com cifras enormes o rodeando. Destarte, a agremiação paga e pronto.
Só que a perda de pontos no campeonato já é outra coisa. Prefere o clube pagar do que perder pontos. A punição não prevê, hoje, a perda de pontos, mas o mando de jogo. Em 2013, um jogo proveniente de uma punição de mando de jogo a um dos clubes, foi transferido para Joinville, Santa Catarina.
A guerra, então, ocorreu no pacato estádio da cidade do Sul, marcada pelos combatentes por rede social. Não adiantou em nada a punição da perda do mando de campo.
A perda de pontos faz com que a própria torcida tenha uma atitude de fiscalização, pois seu time pode cair para divisão intermediaria. O clube nunca poderá reaver os pontos, da mesma forma banal com que paga a multa. Mas isso ainda é pouco quando a cultura de violência já está impregnada no futebol.
Brigas como a ocorrida no sábado, 08 de julho, no clássico entre Flamengo e Vasco são vistas como normais. Houve confusão, invasão de campo e morte de torcedor.
A princípio critica-se o estádio de São Januário, incapaz ao extremo de comportar um jogo que envolva as duas torcidas. Todavia, a violência refletida nas arquibancadas ocorreria tanto em um estádio quanto em qualquer outro estádio onde aquelas pessoas estivessem. Já estavam prontos, preparados e respaldados para o conflito.
Da mesma forma que torcida única dentro dos estádios parece uma contradição contra a violência, pois os embates se dão geralmente, quando há torcida única, fora dos estádios, reprimir com violência policial somente irá causar mais danos e pânico. O que deve acontecer é uma ampla reestruturação para a prevenção.
Prevenir, nesse caso em especial, é a saída, ao meu ver.
Como os ingleses fizeram, não há impunidade e cada ato violento praticado será cobrado. É claro que não se pode comparar o tamanho de um continente como o Brasil com o pequeno espaço que ocupa o Inglaterra no globo.
Mas já serve como alento saber que foi com a prevenção e muitas vezes, com a punição dos brigões, que geraram até o banimento desses do futebol, a solução do país mais violento em se tratando de briga de torcidas, posição hoje ocupada pelo Brasil.
Nesse caso, as federações de futebol de cada Estado têm que ter sua força para averiguar e repassar às investigações que se especializam somente em violência no futebol, as informações.
Os clubes devem manter seus cadastros atualizados e a punição deve ser levada a cabo. Tal punição prevê desde perda de pontos e multa ao clube, até o banimento do torcedor ao estádio.
Além dessas medidas repressivas, deve haver também medida educativa e principalmente, preventiva que cumulativamente irão mudando o pensamento e o agir de pseudo torcedores de futebol, que se utilizam da paixão do brasileiro para demonstrar a força de seu grupo de desocupados, travestidos de torcida organizada.
A desorganização é organizada e institucionalizada dentro dos grupos violentos que se travestem de torcida organizada. A batalha física não é função da torcida, mas passa a ser a sua propensão quando são marcados encontros para esse fim.
Nesse sentido, mesmo que haja torcedores dentro das organizadas contrários à violência e às batalhas, esses também, por inclusão, passam a fazer parte do sistema bélico. Se a motivação da torcida for a guerra e a briga, essa então não deve existir.
Todavia, há ainda tempo para paz. Podemos coexistir mesmo com camisas e cores diferentes, mas para isso ainda, infelizmente, deve haver prevenção e repressão.
A grande maioria da torcida não quer o confronto, a maior parte da organizada quer festa. Mas enquanto alguns meliantes travestidos de torcedores fizerem parte de organizações para liberar o mal e a fúria, essas serão vistas de forma negativa. Há que se separar o joio do trigo, nomeá-los e identifica-los.
Claro que fatos ocorrem, no calor do jogo, algumas discussões e brigas pequenas. Mas não devem ocorrer e de toda forma, a violência precisa ser combatida e analisada a responsabilidade de cada um.
A grande maioria das famílias não faz do futebol seu passatempo in loco, por medo certo da violência. O encontro de domingo entre amigos nos estádios não existe mais, pois aprisiona-se o bom torcedor em prol das batalhas ridículas que vemos nos estádios, e como a Inglaterra mostrou, existem possibilidades reais de combater tal imbecibilidade, que é a violência no futebol.
O jogo de bola é arte; porém nunca deve ser crime.

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